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Aviso postado dia 28/12/2016

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Artigo: "A PEC é a quebra de um contrato social com o povo"

Artigo: "A PEC é a quebra de um contrato social com o povo"

Alheia a manifestações e polêmicas, a Proposta de Emenda Constitucional 55 foi aprovada em segundo turno no Senado Federal, no último dia 13 de dezembro. A PEC, que já tinha passado pela Câmara dos Deputados, chegou ao placar final no Senado com oito votos a menos do que no primeiro turno. Entretanto, o texto já foi promulgado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), no dia 15, alterando a Constituição Federal e congelando gastos sociais pelos próximos 20 anos. O economista e professor da Universidade Federal da Bahia, Luiz Filgueiras, acredita que a PEC não terá vida longa, porém. Para Filgueiras, que tem pós-doutorado em economia pela Universidade Paris 13 e que atua, principalmente, nas áreas de política econômica, crise e padrões de desenvolvimento, políticas sociais e mercado de trabalho, o Estado brasileiro não corre risco de falir e o ajuste fiscal proposto pela PEC se mostrará insustentável ainda nos primeiros anos de aplicação de suas medidas. A Muito, o economista explicou que o corte de gastos planejado pelo governo terá efeito bumerangue e que, em lugar de diminuir o déficit público, colocará o país numa recessão ainda maior. Para sair da crise, defende o economista, é necessário que o governo gaste em áreas centrais, como educação, saúde, habitação e tecnologia, porque são estes gastos, que ele chama de investimentos, que colaboram para movimentar a economia. Filgueiras estende sua crítica à reforma da previdência, num tom bem-humorado, mas ressaltando que se trata de algo que ele considera escandaloso. “A piada é que Temer criou o décimo primeiro mandamento: não se aposentarás”. Com esta entrevista, a Muito amplia o debate a respeito da PEC 55, iniciado no domingo passado, dia 18, quando o administrador Antônio Ribeiro respondeu às mesmas perguntas sobre o tema

 

 

O Estado brasileiro corre real risco de falência?

 

Isso é uma figura de linguagem para tentar evidenciar que está uma coisa caótica, que o Estado vai quebrar. Mas Estado não quebra, quem quebra é empresa. O governo afirma que o déficit público vem sendo feito durante muitos anos e que a dívida pública está crescendo numa trajetória insustentável. Isso é claramente uma mentira. Desde o governo Fernando Henrique, depois nos dois governos do Lula e quase todo o primeiro governo da Dilma que o Estado arrecadou mais do que gastou. Quando foi que apareceu déficit público? Em 2014 e 2015. Isso se deveu muito, inclusive, à própria Dilma, que aplicou o ajuste fiscal que eles estão querendo aplicar agora com esses 20 anos na frente. Quando você corta o gasto do governo, você leva o país à recessão. Diminui o crescimento econômico, diminui a arrecadação do governo, e aí, em lugar de ajuste fiscal, você acaba criando um déficit maior ainda. Essa PEC claramente não é para resolver esse problema, tampouco a questão da dívida pública. A dívida vem crescendo, sistematicamente, desde 1994, apesar de ter havido, no período, um superávit primário. Ou seja, isso não tem relação direta com o déficit do governo. A dívida pública cresce porque ela ganhou uma autonomia própria a partir da política monetária do governo, das altas taxas de juros. O Estado brasileiro não está na bancarrota. Se tiver a política econômica certa, aliás, e um cenário internacional favorável, o governo vai arrecadar mais e você terá uma situação de equilíbrio. 

 

É possível adotar outras medidas que não apenas as de austeridade para que o cenário econômico volte a ser de crescimento?

 

Sem dúvida. Qualquer economia capitalista cresce quando as famílias consomem, quando os empresários investem e quando o governo gasta, porque gasta com saúde, com educação, paga salário, contrata empresa para fazer serviços, e isso gera ânimo para a economia. Há ainda a variável do saldo da balança comercial. Quanto mais o Brasil exporta, mais a economia cresce. A PEC propõe não aumentar os gastos do governo durante 20 anos. A conversa fiada é a seguinte: “Fazendo equilíbrio fiscal, nós vamos alimentar a confiança dos empresários e eles vão voltar a investir”. Empresário investe quando tem expectativa de venda. Se o mercado está afundando, se as famílias não estão consumindo, se outras empresas não estão comprando, o empresário não investe. No fundo, no fundo, essa história da confiança é a confiança do capital financeiro para comprar os títulos do governo, que é quem alimenta a dívida pública. O caminho do crescimento econômico é a retomada dos investimentos do Estado. 

 

Há quem afirme que o senador Renan Calheiros usou a PEC como instrumento para se manter na presidência do Senado. O que o senhor acha?

 

Essa decisão do Supremo é realmente esdrúxula. O caso do Renan era igualzinho ao do Eduardo Cunha. O que o Supremo fez prova que ele está mancomunado e articulado com esse governo Temer pra ferrar o povo brasileiro. Temer chegou ao governo com um golpe e começou a implantar um programa de mudanças profundas, estruturais, como essa PEC e a reforma da previdência, que mexem com a Constituição brasileira, que vão ter impacto por muitas décadas e que vão ficar de herança para os próximos governos. A PEC foi aprovada ontem por diferença de quatro votos. Do primeiro para o segundo turno, o governo perdeu sete votos. Se a votação fosse daqui a três semanas, a PEC seria rejeitada porque o que ela está propondo é uma coisa escandalosa. Já o gasto financeiro com a dívida pública não vai ter congelamento. A população vai crescer. Mais gente vai ter que estudar, mais gente vai envelhecer, vai ter que se aposentar, vai ficar doente, vai ter que morar. Haverá muito mais gente precisando do serviço do Estado. Mas, se o gasto real do Estado é o mesmo, então haverá cortes.  

 

As PECs foram previstas para serem alterações menores na lei, por isso podem ser aprovadas por apenas 3/5 dos deputados federais e dos senadores. A PEC 55, entretanto, será uma das maiores modificações na Constituição, desde que foi promulgada, em 1988. O que podemos inferir disso?

 

Que a PEC não é um ajuste fiscal. Ajuste fiscal você faz conjunturalmente, com um ano, um ano e pouco, isso quando é possível fazer, e não congelar gastos por 20 anos. Na realidade, essa PEC é muito mais do que um ajuste. É a quebra de um contrato social que foi estabelecido com a população brasileira na Constituição de 1988. Então, a PEC está interferindo no capítulo dos direitos sociais da nossa Constituição. 

 

Um dos principais argumentos contra a PEC é que o congelamento dos gastos sociais nas próximas duas décadas afetará, essencialmente, as camadas mais pobres da população, que são as que utilizam o serviço público de saúde, educação e seguridade social.  Que análise o senhor faz disso?

 

A ONU acabou de se manifestar em relação a isso.  A PEC vai afetar diretamente a população mais pobre. Mesmo na Inglaterra, com todas as mudanças neoliberais, o hospital do filho do primeiro-ministro é o mesmo hospital de um trabalhador. A PEC e a reforma da previdência são o oposto. A PEC é para aumentar o superávit fiscal primário e jogá-lo para a dívida pública. A reforma da previdência, para empurrar a classe média para os fundos de pensão privada, para o Bradesco, para o Itaú. É a transferência de recursos que o Estado arrecada com o trabalhador para o capital privado, um negócio vergonhoso. Quem está por trás da PEC é o grande capital financeiro e parte – já pequena a uma altura dessa – da classe média desilustrada e ignorante, que não percebe nem o que são os seus interesses. Tenho encontrado vários conhecidos de classe média que apoiaram o impeachment e estão voltando atrás. E eu sou crítico do PT, tenho um livro escrito sobre a economia política do governo Lula, que perdeu a chance de fazer as mudanças que o Brasil precisava. 

 

Não existe, em outros governos do mundo, prazo tão extenso para políticas fiscais. Há quem considere que isso colocaria o Brasil num piloto automático da gestão orçamentária. O que o senhor acha?

 

É isso mesmo. Qual é a política econômica de qualquer governo? São três. A política monetária, que é aumentar ou diminuir a taxa de juros. Se você quer estimular a economia, você diminui a taxa de juros para aumentar o consumo. A política fiscal é a de gastos do governo e de arrecadação. E a política cambial, que mostra quanto vale o dólar. Quando você congela por vinte anos, você está me dizendo que a política fiscal não vai mais existir. O governo não vai ter mais nenhum papel de estímulo à economia por esse período. Isso mata a sociedade, um país não é em dez anos, quando eles dizem que podem rever, mas em dois, três anos, porque promove estagnação econômica e uma revolta social que vai crescer, não vai ter jeito. O SUS, que é uma instituição espetacular do ponto de vista de planejamento, mas para o qual faltam recursos para poder implementar uma série de coisas, vai ficar pior do que já está e com mais gente acessando. 

 

Muito tem se discutido o congelamento do orçamento para as áreas de saúde e educação, mas há outras áreas, como segurança pública, meio ambiente e pesquisa científica que seriam ainda mais sacrificadas com a aprovação da PEC. Qual o impacto disso para a sociedade brasileira?

 

É um impacto para toda a população. Mesmo para a classe média, que está apoiando a PEC de forma desavisada. Porque segurança é uma questão que pega todo mundo. O governo usa o argumento que o valor global será congelado, mas que vai poder aumentar em uns setores, desde que diminua de outros. Isso não vai se sustentar nem na perspectiva desses caras. Já tem líderes pedindo a renúncia do Temer. Ele não chega à reforma da previdência. 

 

A PEC vai congelar todos os gastos primários do orçamento da União, que é tudo o que o governo gasta, exceto a dívida pública. Não seria o caso de incluir os juros da dívida pagos pelos bancos?

 

Mas a PEC existe justamente para privilegiar o pagamento de juros! O que deveria existir não era essa PEC, mas uma reforma tributária.

 

Já existe, aliás, uma proposta que tramita em regime de urgência no Senado de limitar a dívida da União. Essa não seria uma saída?

 

É a meta de endividamento. Em outros países, houve também a auditoria da dívida pública. Uma das pessoas mais importantes do mundo nessa área, inclusive, é uma brasileira [Maria Lúcia Fattorelli]. Ela participou da auditoria do Equador, onde o presidente Rafael Correa reduziu em dois terços a dívida pública e nenhum empresário chiou. Essa moça também participou da auditoria da Grécia. Essa auditoria está proposta aqui no Brasil, mas o Congresso nunca encaminha para votação.

 

Das oito sanções previstas no texto final da PEC, o governo determinou que, em caso de descumprimento do teto, despesas obrigatórias não poderão sofrer reajuste. Esse dispositivo abrange também o salário mínimo que, pela Constituição, porém, não pode ter perdas reais. Que avaliação o senhor faz?

 

A PEC vai quebrar a lei do salário mínimo que estava vigorando há alguns anos e que ajusta o salário mínimo acima da inflação. Foi o que deu uma melhoradinha na distribuição de renda do país. Além disso, teve também o Bolsa Família, o acesso à universidade, principalmente a pública. O acesso à universidade privada é complicado, porque você acaba financiando um monte de faculdade de ponta de esquina, que não vale nada. Era melhor o governo ter pego o dinheiro do Prouni e do Fies e ter jogado na universidade pública, contratando mais professor e funcionário, porque a universidade pública tem capacidade ociosa. Essa é uma das grandes críticas que eu faço ao governo Lula. E hoje, diga-se de passagem, essas universidades nem são mais nacionais. É tudo multinacional. O dinheiro vai direto para eles, não passa nem pela mão do aluno. 

 

O governo diz que a reforma da previdência, que deve acontecer também como uma PEC, livrará o orçamento de uma série de amarras, o que garantirá o teto. Qual a chance de isso acontecer?

 

Primeiro, a gente tem que esclarecer essa conversa de que a previdência é deficitária. A Constituição brasileira estabelece, desde 1988, o Sistema de Seguridade Social. Tem uma receita que envolve a previdência, a assistência social e a saúde. Esse sistema não é deficitário. Mesmo a previdência, sozinha, é superavitária. Só há déficit na previdência rural. Porque milhões de trabalhadores tiveram acesso à previdência sem ter recolhido ao longo dos anos. O que, na realidade, é uma assistência social, uma política correta. Não fosse isso, boa parte dessa população já tinha vindo para Salvador, Feira de Santana e outros grandes centros. 

 

A PEC tem serventia sem reforma na previdência?

 

Esse é o argumento conservador, da direita, do capital financeiro, porque é com isso que a PEC está afinada. Se for para reformar a previdência, antes de tudo tem que se discutir com a população. Também não pode ter como objetivo jogar as pessoas no fundo de pensão privado. 

 

Já que está se propondo alterar o mecanismo que afeta o orçamento do país, por que não mexer também no sistema tributário e passar a taxar lucros e dividendos e as grandes fortunas?

 

Grandes empresários, como o cara da Fiesp, que copiou aquele pato [o presidente Paulo Skaf] e que agora caiu na boca da Odebrecht por milhões de reais via Temer, esses grandes empresários chiam contra o sistema tributário, mas você não vê eles se mexerem para fazer uma reforma. Porque, na realidade, é um sistema que afeta mais os pobres e a classe média. A base, onde o governo mais arrecada, é o chamado imposto indireto, o de consumo. O ICMS, que é o imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços, e o IPI, sobre produtos industrializados. Se você compra óculos, paga IPI. Mas o valor, em termos absolutos, é o mesmo que paga um grande banqueiro. O imposto de renda isenta pessoas de classe mais baixa e dá uma série de regalias ao pessoal de cima. Quem paga é a classe média, principalmente a assalariada, porque desconta do contracheque. O imposto das grandes fortunas está para ser regulamentado desde 1988. É claramente uma escolha de classe. 

 

Mais de 1.100 instituições de ensino no país, entre escolas e universidades, estão ocupadas desde outubro, por estudantes que são contra a aprovação da PEC. Como o senhor vê esses protestos?

 

Esses protestos são de fundamental importância. Não é só o governo que é ilegítimo. Esses deputados todos no Congresso, nenhum deles defendeu isso frente ao seu eleitorado. Tinha que inviabilizar esse governo e ir para as eleições diretas. Quer fazer essas reformas? Bote no debate, na eleição direta e, se ganhar, faz. Agora, quero ver ganhar. 

 

Não é incongruente que, em meio a uma crise econômica, o governo gaste R$ 41,9 mil realizando jantares para mobilizar deputados e senadores a aprovarem a proposta do teto de gastos públicos?

 

Não se combate corrupção com moralismo. Faltam instituições e mecanismos que dificultem ou impeçam a corrupção. Não pode ter financiamento privado de campanha. Não pode ter emendas parlamentares individuais, porque elas viram moeda de troca para votar com o Executivo. É preciso reduzir drasticamente os cargos de confiança, tem que ser tudo concurso público. Quando Geddel saiu do governo Wagner para concorrer para governador, eu li em A TARDE, na época, que ele estava devolvendo – veja aí a palavra! – ao governo Wagner dois mil cargos de confiança. Há mais cargos de confiança no estado da Bahia do que em toda a França.  

 

A delação premiada do ex-diretor da Odebrecht Cláudio Melo Filho cita a cúpula do PMDB. Em sua opinião, que credibilidade tem esse governo para propor a PEC 55?

 

A questão da legitimidade se estende para além do governo. Envolve também deputados e senadores. Há mais de 200 deles implicados nas delações da Odebrecht. O sistema político brasileiro não tem legitimidade.  Executivo, Legislativo e Judiciário. O mais agravante do Judiciário é que ele se politizou e, diferente dos outros dois poderes, não é eleito. A solução para restaurar o mínimo de credibilidade é a renúncia do governo e a convocação de eleição geral, para presidente, senador e deputado. Botar o povo para votar de novo. Aí eu quero ver quem deles vai defender essas medidas.

 

Carla Bittencourt

Jornal A Tarde

 



 

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