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Aviso postado dia 22/04/2014

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Artigo: Racismo, reposição ao erário e o direito à vida - incoerências normativas - parte III

Artigo: Racismo, reposição ao erário e o direito à vida - incoerências normativas - parte III

Francisco Filho – coordenador jurídico do SINDJUFE-BA e especialista em Direito Previdenciário e Direito Público 
 
 
O meu país foi formatado constitucionalmente para estabelecer uma hegemonia política dos grupos dominantes que, dentre estes, estão inclusos os políticos de carteirinha, grupos econômicos que se tornam doadores de campanha, coronéis estaduais, inimigos do passado de uma ditadura e amigos do futuro, com favorecimentos em obras e construções inservíveis para uma sociedade que tem sede de Justiça, conhecimento e cidadania. 
 
O que parece é verdade, estamos aprisionados numa concepção de Estado que, de forma perspicaz, foi contorneada numa Constituição de 1988, de uma base nuclear, sem preocupação de proteger o coletivo Estado. Entenda-se, é a sociedade mais frágil, dependente das ações deste mesmo Estado,  vítimas do dia a dia social, nos hospitais, delegacias, escolas, creches e abrigos sociais. 
 
O Estado tem se aliado a grupos dominadores de controle de poder, incluso aí membros do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e, na unanimidade, do Poder Executivo, que exerce o poder moderador dos demais poderes porque tem a chave do cofre, a licença interpretativa orçamentária, a propaganda midiática e os instrumentos de fiscalização, que utiliza para o mal, e o impulso oficial das políticas de Estado, deturpando-as. 
 
A partir desta continuidade, considerando os artigos anteriormente apresentados para os leitores, irei indicar as falhas de concepção de Estado que nascem da origem constitucional que, se modificadas, teremos um Estado realmente coletivo, preocupado com aquilo que dentro da lógica jurídica e natural do direito, considerando a realidade social vivida, servida como exemplopara todos que querem fazer deste País uma nação fortalecida e não fragilizada pelos dominadores, intencionalmente estabelecida, visando uma perpetuação de poder político, econômico, social e jurídico de suas políticas. 
 
Esta sociedade não pode ser escrava do Estado posto, mas impulsionadora das políticas de Estado com uma visão coletiva impessoal, sem a criação de 'deuses' da história. Somos vítimas de nossa omissão democrática reivindicatória e propulsora de transformações! 
 
Vejamos as previsões constitucionais da Carta de 1988:
§ 5º do art. 37 – A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
 
Inciso XLII, do art. 5º - A pratica do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei. 
O Código Penal estabelece em seu art. 109, a prescrição antes de transitar em julgado a sentença final:
 
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1 do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
 
I – em 20 (vinte anos), se o máximo da pena é superior a 12 (doze) anos;(...).
 
O parágrafo 5º, do art. 37 da Constituição Federal, que chamo a atenção da sociedade, é para uma previsão que é de uma formação nuclear que fere todos os princípios da dignidade humana, da proporcionalidade e da razoabilidade jurídica, seja pela valorização excessiva de uma visão patrimonialista e pela extinção total de uma visão humanística, um verdadeiro antagonismo jurídico, político e social.
 
Na simples leitura do dispositivo constitucional, constatamos que os prejuízos causados ao erário pelos servidores públicos ou não servidores, empresários, políticos, ou terceiros, são imprescritíveis, enquanto que a pena do crime praticado, como desdobramento do crime de improbidade administrativa, na leitura penal, crime de corrupção ativa, passiva, concussão e até o homicídio doloso são prescritíveis. 
 
Pela redação, o que é imprescritível é somente a reposição ao erário, sendo todo o resto prescritível. Ou seja, atingindo um determinado prazo de tempo sem a punição adequada, dentro do contraditório e da ampla defesa, ou mesmo pela não descoberta dos autores, todos os crimes praticados serão extintos objetivamente.  
O antagonismo nuclear desta norma é de uma violência fenomenal, que talvez não consigamos enxergar porque a reposição ao erário é imprescritível e o crime de homicídio qualificado, roubo, latrocínio e os demais cometidos contra a vida do cidadão não o são, também imprescritível, demonstrando claramente uma subjetividade de valores inconcebíveis que o cidadão comum não consegue interpretar, de qual seria a natureza jurídica de valores da questão posta pelo legislador constituinte, com tamanha distinção de valores protegidos. 
 
Por que o crime de homicídio qualificado, praticado contra a vida do cidadão é prescritível e a reposição ao erário público é imprescritível?  Será que na analogia de valores o erário público é superior ao valor da vida do cidadão, se é que tem forma de se mensurar, que formou este Estado indiferente com a vida humana e sua proteção indistintamente? 
 
A previsão nos traz uma comparação objetiva de que o crime de homicídio qualificado, com previsão no art. 121, do Código Penal, de que “matar alguém”, comina pena em abstrato de 30 anos, sem demais considerações de agravantes e atenuantes, e a prescrição do crime de homicídio qualificado será de 20 (vinte) anos, enquanto que a devolução ao erário público de quantias surrupiadas, roubadas da sociedade, é imprescritível. 
 
Não quero exaltar a imprescritibilidade da devolução ao erário, muito pelo contrário, quero ressaltar que o crime de homicídio qualificado, onde se retirou uma vida que não tem retorno, sepultada, destruindo lares e famílias, tem uma prescrição de 20 anos, demonstrando-se claramente, que os constituintes de 1988, não estavam preparados para cumprir o papel de bem proteger a sociedade, a família. 
 
Estamos numa contrariedade de valores jurídicos que não tem tamanho de se mensurar e esse antagonismo faz parte desta sociedade que sofre com as injustiças do Estado, que matam nos hospitais, por falta de médicos e de equipamentos, em presídios, sem uma escola de qualidade, sem professores qualificados e condições dignas de uma proteção social. 
 
Temos estádios para Copa de qualidade. Essa inversão de valores jurídicos que estamos assistindo é parte de um vicio de núcleo formador de opinião, que ocupa cargos públicos indicados politicamente, de livre nomeação e exoneração, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, com suas sentenças indignas. Não se trata aqui de generalizar a imprescritibilidade, mas apenas aqueles crimes que foram praticados de forma cruel, que põem em risco a vida humana e a família, com a utilização de formas que provocam absoluta repulsa social. 
 
O antagonismo da previsão de valores para a formatação da norma é mais uma prova da absoluta dicotomia jurídica que fragiliza o Estado e a sociedade brasileira, que precisa da proteção e do fortalecimento das instituições de Estado, de fiscalização, de persecução criminal e da valorização e proteção da vítima e de sua família. 
A valoração normativa de conteúdo e de direito material tem exagero constitucional, em contraposição ao que está tipificado no Código Penal Brasileiro para o crime de homicídio qualificado, quando se trata da prescrição em abstrato, sua valorização normativa, seu alcance e o objetivo que o legislador tentou imprimir para prevenir a prática do racismo e do homicídio. 
 
A Constituição Brasileira em nenhum momento tratou individualmente sobre as penas, prescrição e punições para o crime de homicídio qualificado e da proteção da vida, senão pelo principio fundamental do Estado, pela dignidade da pessoa humana e do direito à vida, sem ingressar no campo da proteção constitucional para uma punição exemplar, como se matar fosse menos cruel que o racismo ou a reposição ao erário público. 
 
Demonstra-se que as palavras trazem maior dor ao ser humano do que o disparo de arma de fogo, para a prática de homicídio. Demonstra-se que o dinheiro público causa maior dor a sociedade do que a retirada da vida do cidadão, que fragilizou uma família inteira, que deixou filhos sem pais, gerando prejuízos sociais indescritíveis, inclusive para a sociedade que suportará a carga coletiva de seu ônus.
    
A questão cinge-se em saber qual foi à intenção do legislador constitucional em prever a imprescritibilidade para os crimes de racismo, do prejuízo ao erário e deixar o crime de homicídio qualificado ou não, da proteção à vida, sem uma normatização constitucional direta de proteção, de prevenção, de acobertamento absoluto. Penso que a incoerência normativa, recheada de ignorância, sem visão protecionista da vida, nos conduz a uma sociedade por incoerência de interpretação em seus conceitos e em seus valores. 
 
A Constituição Federal tem suas incoerências compreendidas por aqueles que não têm compromisso com o coletivo, porque as ações de Estado têm uma canalização de acordo com os poderes constituídos, dos grupos políticos que ocupam o poder transitório e até permanente, com as alianças do atual governo e seus inimigos ditadores.  A formatação constitucional deve ter premissas, conceitos e valores que a serem seguidas em todo o seu arcabouço jurídico e não somente na proteção do Estado democrático e da ordem constitucional, ou ainda nos crimes de racismo ou reposição ao erário.
 
Como é que poderemos aceitar que o Estado democrático e a ordem constitucional, cujo objeto de regulamentação está na lei 9.034, de 3-5-1995, tenha em seu conteúdo valorativo maior que o da proteção da vida humana, em seu caráter de imprescritibilidade? Somos vítimas dos legisladores, que também matam pela legislação indiferente, não protecionista da vida, desprezível e, por que não dizer, corrupta pela ignorância! 
 
Este Congresso que aprova leis precisa de uma cirurgia intensa de formação de valores democráticos, de proteção da vida, do coletivo, do difuso e daquilo que é primordial a uma sociedade, caráter de premissas e coerência de proteção de valores. Somos vítimas do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais.
 
 
 


 

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