Acesso Funcionarios

Artigo postado dia 06/03/2022

Por: Fred Barboza

Artigo postado dia 06/03/2022

Por: Fred Barboza

Sobre Autoritarismo, Liberdade e Passaporte Vacinal*

Sobre Autoritarismo, Liberdade e Passaporte Vacinal*

Seguindo a sua política de genocídio, Bolsonaro e seu bando vêm boicotando a vacinação contra a covid-19. Para isso, além das ações efetivas para dificultar a vacinação, o Genocida faz uso de uma disputa ideológica muito forte. Um dos temas recorrentes e que frequentemente é o argumento do direito à liberdade individual. É este o argumento, que Bolsonaro vem utilizando na sua investida contra a vacinação e contra as medidas restritivas, popularmente apelidadas de passaporte vacinal, que alguns governadores e prefeitos vêm lançando mão em suas esferas de competência.

Não é preciso ir muito longe, para perceber que um assumido defensor da tortura, da ditadura militar e do modelo de educação da juventude hitlerista, não possui muito apego real por liberdade. Ainda assim, o argumento do direito à escolha se reveste de forte impacto no imaginário das pessoas. Apenas por isso, considero necessário se debruçar com um pouco mais de cuidado neste argumento, e buscar entender, que liberdade é essa, que Bolsonaro defende.

O conceito de liberdade é multifacetado e pode ser usado de formas bem distintas a depender da concepção de mundo, que esteja se defendendo. A noção de liberdade na sociedade capitalista está historicamente relacionada com a noção de individualismo. Os dois conceitos emergem de modo intrinsecamente ligados durante o iluminismo e fundamentam a noção liberal ocidental de que existe uma primazia moral do indivíduo, contra qualquer pretensão da coletividade social.

Desde sua origem, a liberdade – quando apresentada sob esta perspectiva – é uma ideologia burguesa, que serve apenas para fundamentar o mercado de trabalho. É preciso homens livres, movidos pelo seu livre arbítrio, para a celebração de contratos. Contraditoriamente, é preciso homens livres, mas desprovidos da propriedade de qualquer meio de produção, proprietários apenas da própria força de trabalho para servirem de mão de obra explorada para o capital.

Marx, em “O Capital”, explica, de forma irônica, no que consiste exatamente a liberdade na sociedade capitalista: “para transformar dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro tem, portanto, de encontrar no mercado de mercadorias o trabalhador livre, e livre em dois sentidos: de ser uma pessoa livre, que dispõe de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de, por outro lado, ser alguém que não tem outra mercadoria para vender, livre e solto, carecendo absolutamente de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho”.

Contudo, evidentemente a liberdade da burguesia, não é para os trabalhadores. Karl Marx fala sobre a forma de organização do trabalho dentro das unidades produtivas da sociedade capitalista: “se a direção capitalista é dúplice em seu conteúdo, em razão da duplicidade do próprio processo de produção a ser dirigido – que é, por um lado, processo social de trabalho para a produção de um produto e, por outro, processo de valorização do capital –, ela é despótica em sua forma”.

Neste trecho, Marx apresentará uma contradição da sociedade capitalista: a defesa ideológica da classe dominante burguesa, de menor regulação das relações fora das unidades produtivas, ou seja, a liberdade máxima, em oposição ao controle despótico do processo de produção dentro dessas unidades, ou seja, a menor liberdade possível, através do controle dos trabalhadores pelos capatazes modernos.

Esta contradição também vai se apresentar no corpo social, através da expressão do individualismo como faceta da liberdade, pois se a liberdade, entendida como total ausência de oposição, só pode ser plenamente exercida quando todos os indivíduos possuem o mesmo objetivo, como resolver as diferenças no corpo social? Como tratar da oposição entre indivíduos iguais? Ou, popularmente falando, como resolver a equação que a liberdade de um indivíduo termina quando começa a liberdade de seu próximo? Ressaltamos que esta concepção de indivíduo é uma concepção da sociedade burguesa: são diversas as comunidades históricas, na qual o ser não consegue se perceber fora do corpo social ou como um elemento apartado do corpus ao qual ele pertence.

Especificamente, no que diz respeito à vacinação, inicialmente, o negacionismo da extrema direita negava a pandemia, quando isso não mais foi possível, pois a Covid-19 já havia matado milhões de indivíduos, passaram a propagar falsas soluções. Mais recentemente, a ação passou a ser a de negar a efetividade das soluções amplamente recomendadas pela comunidade científica, como o uso de máscaras e a vacinação, inclusive com um alarmismo associado à indústria da vacina e teorias de conspiração de alcance global. Ora, concordamos ser verdade, que é um absurdo o monopólio das indústrias farmacêuticas, mas a saída para isso é a quebra de patentes, para que os países, mesmo os mais pobres, possam vacinar sua população, dificultando inclusive o desenvolvimento de novas variantes, que podem, alcançar o escape imunológico e nos lançar novamente na casa zero da pandemia.

Um dos argumentos mais usados nesta guerra contra a vacinação apela justamente para a liberdade individual na escolha por se vacinar. Numa sociedade, em que a noção de pertencimento ao corpo social fosse a dominante, seria natural imaginar, que a vacina faz parte de um pacto coletivo, onde a responsabilidade de cada um transcende o cuidado com a própria vida, mas também se estende ao cuidado com a vida do outro.

Contudo, numa sociedade, em que a ideologia burguesa ainda é tão forte, a ponto de impedir a coesão social, é fácil se apelar para o argumento, que as medidas restritivas ao não vacinados são violações à liberdade individual ou atacadas como um “surto de autoritarismo”, como afirmou Onyx Lorenzoni, ministro e capacho de Bolsonaro, o mesmo que por tantas vezes, ameaça os mais elementares direitos democráticos dos trabalhadores brasileiros.

Se é verdade, que as medidas restritivas aos não vacinados, popularmente rotulada por exigência de passaporte vacinal, não é a ideal, porque opera sobre a lógica que é necessário incentivos ou restrições e, portanto, exibe de fundo uma falha de solidariedade no corpo social, por outro é um argumento extremamente raso rotular estas medidas de arbitrária, pois ela se fundamenta na absurda lógica, de que na convivência social é possível a liberdade absoluta do indivíduo.

É esta mesma lógica, aqui sob as vestes de liberdade ampla e irrestrita de expressão, que leva a declarações de defesa do nazismo como a feita recentemente pelo Bruno Aiub, o Monark, e pelo deputado Kim Kataguiri. Não surpreendente, dois defensores da ‘liberdade’ na visão eminentemente burguesa.

O absurdo aqui é que sob a alegação de defesa absoluta da liberdade, os liberais defendem a organização do fascismo, uma ideologia autoritária por natureza e responsável pelo extermínio de raças e minorias na nossa história. Não, que seja uma surpresa, pois os movimentos e regimes fascistas emergem, historicamente, quando em momentos de ascenso, os trabalhadores organizados passam a exigir que a liberdade seja um princípio acessível também à classe trabalhadora e não apenas à burguesia.

Nesta situação, a burguesia não mais dá conta de controlar o seu regime e não titubeia em abrir mão dos seus ideais para entregá-los à regimes fechados capazes de impedir a organização e luta dos trabalhadores. Liberais e fascistas são parceiros na manutenção do regime burguês.

A liberdade que nos interessa é aquela que é construída mutuamente, enxergando a sociedade como um só corpo, onde os homens estejam de fato emancipados, Uma sociedade, na qual inexista a exploração homem pelo homem. Até lá, é preciso ter a clareza que a única liberdade que temos é a de entregar a nossa existência ao enriquecimento de uma dúzia de bilionários e que é impossível se falar de liberdade, enquanto existem pessoas, que não sabem se vão poder comer e são obrigadas, sem direito a nenhuma escolha, a passar fome.

*Uma versão reduzida deste artigo foi publicada no Informativo do Sindjufe-BA de Março/2022



 

Acessem nossas...

Redes Sociais !

TRANSMISSÃO ONLINE

TRANSMISSÃO ONLINE